domingo, 9 de julho de 2017

Tem dia

Tem dia que sento, que olho a janela
a lua passando de um lado pro outro
eu viro e ignoro
de costas pra ela

Tem dia que durmo
tem dia que não
sento no sofá
copo d'água na mão

Tem dia de sol
que passa devagar
eu vejo uns patos
e lembro da brisa do mar

Tem dia que penso
tem dia que esqueço
tem dia que falo
tem dia que adormeço

Tem dia que lembro dos tempos bons do passado
só pra fazer passar o tempo acordado

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Voltando para Casa

Estava então voltando para casa. O dia não tinha sido dos melhores. Nenhuma surpresa, nenhuma novidade. Apenas me arrastava para casa como fizera tantas outras vezes. O céu estava cinzento, e o mesmo vento que fazia umas poucas folhas secas me seguirem pelo canto da calçada ao meu lado também me fez puxar o capuz acima da cabeça e colocar as mãos nos bolsos da calça. Tudo parecia muito calmo. Os carros passavam tranquilamente, numa rua onde parecia não haver buracos. Não estavam buzinando como sempre faziam naquele horário. O botequim caindo aos pedaços pelo qual eu sempre passava em frente me parecia parado, na entrada apenas um velho de pé, com um cigarro na mão, quase sem se mexer. Ao cruzar o sinal, passei por um menino que apontava para frente e puxava a sua mãe. Ele movia os braços, fazia birra, mas não pedia nada. A mãe não lhe dava importância, até parecia mover os lábios, mas não respondia. Até concordei com a cabeça sem ela notar, não havia nada a responder ao menino. Nessa distração, fui surpreendido ao tropeçar em um cachorro deitado no meio da calçada. Abri a boca para gritar mas nada saiu, sentia meu coração batendo forte. Fique paralisado em meio ao susto, não me movi por um instante. Se estivesse no meio da rua, os carros buzinariam ou passariam por cima de mim de qualquer jeito. Então baixei os olhos voltei o olhar para o cachorro. Parecia com mais medo do mim, do que eu dele. Ele movia a boca de maneira estranha ora olhando para mim, ora baixando a cabeça. Um movimento que eu conhecia, como se estivesse latindo, mas sem som algum. Parou por uns segundos, deu uns passos, ainda mancando um pouco, e já se afastando me olhou novamente. Voltou a abrir a boca algumas vezes. Se falasse, estaria com todas as letras me mandando para longe dali, mas era apenas um focinho se mexendo. Com um sentimento estranho, me arrumei sob o capuz e me pus a caminhar rápido para casa. Já havia ficado escuro, e as luzes dos carros ao longe vinham em direção ao meu rosto. Quis correr, mas já avistava o portão de casa. Ainda caminhando tirei o molho de chaves do bolso, que não fizeram o habitual barulho que quatro ou cinco chaves fazem ao se debaterem amarradas entre si. Se debatiam apenas, não emitiam som. Voltei a sentir o coração batendo acelerado. Abri o portão e corri pelo corredor do saguão. O silêncio absoluto seguia meus passos apressados. Nem meus tênis cantavam sobre o chão lustrado. A chave entrou na fechadura da porta com violência. Por um momento achei que aquela chave não tornaria a abrir a porta, pois não me lembrava de ferrolho de porta tão silencioso como aquele. Eu não me sentia bem. Passei pela sala e senti náuseas ao ver o violão imóvel encostado na parede. No quarto me enfiei debaixo do cobertor. Só então percebi que não havia acendido luz alguma dentro de casa. Não seria necessário. Só queria ficar ali coberto, sentindo minha respiração fora de rítmo. Tive a sensação que havia deixado algo importante para trás em algum momento e tive medo. E continuei ali. Imóvel

sábado, 4 de maio de 2013

Olhos e Cabelos

E então ela fechou a porta e se foi. Só me olhou mais uma vez e foi. Me deixou sentado no sofá encarando a parede branca. Na companhia de uma música que não conheço. Deve ser o volume que está baixo. Há pouco ela estava aqui, com os mesmos olhos que eu conhecia. Os cabelos também. Quando maquiada não era ela. Também incrível, mas era outra. Mas há pouco ainda era a mesma, os olhos que entravam dentro de mim. E os cabelos que ficavam em brasa quando sob o sol, de um lado descendo pelo rosto, do outro um pouco atrás da orelha.

Aqueles olhos também flamejavam quando queriam. Os olhos com os quais eu conversava. Os lábios se moviam, mas aqueles olhos que me diziam tudo que eu queria saber. Pensava que eram meus aliados, mas nem sempre. Tinham vida própria. Quando ela não dizia nada, os olhos faziam o que sabiam fazer. Era pra isso que estavam ali. Entravam em mim e me desmontavam.

Os cabelos eram atrevidos, se moviam como queriam. Se estivesse maquiada, então tinham que se comportar, fingindo. Deviam ficar desconfortáveis, batendo o pé no chão, esperando a hora de voltarem a ser quem eram. Agora pouco estavam a vontade, fazendo o que queriam por conta própria. Até passarem pela porta.

Os olhos não falaram muito hoje. Estavam calados. Não indiferentes, contidos. Os cabelos não estavam em chamas, mas estavam para lá e para cá. Deviam estar esperando o sol que os fazem acender, e a quem iriam de encontro em breve. Por isso pareciam ansiosos. Foram eles, os cabelos, inquietos, que me disseram que estava na hora de ir. E pela primeira vez vi os olhos concordando, não falaram nada.

E então ela foi, já tem uns minutos. Talvez uma, ou duas horas. E ainda toca a mesma música de quando a porta fechou.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Gabriela, Cecília e Beatriz

De Gabriela, pele quente e morena, jogada aos lençóis da cama coberta pela escuridão do quarto, deixando as pernas à mostra ao luar. Então Cecília, a qual eu chamava em silêncio. A via dormir. Por fim Beatriz, intocável. Mesmo tendo conhecido nove luas, não mais a vejo. Mas a sinto, por de trás da luz forte que me ofusca a visão, e por onde ela se esconde. Pode me ver, mas eu não a posso.

terça-feira, 5 de junho de 2012

Ouse

Ouse, ouse... ouse tudo!!
Não tenha necessidade de nada!
Não tente adequar sua vida a modelos,
nem queira você mesmo ser um modelo para ninguém. 
Acredite: a vida lhe dará poucos presentes.
Se você quer uma vida, aprenda... a roubá-la! 
Ouse, ouse tudo! Seja na vida o que você é, aconteça o que acontecer.
Não defenda nenhum princípio, mas algo de bem mais maravilhoso:
algo que está em nós e que queima como o fogo da vida!!

Lou Andreas-Salomé

sábado, 5 de maio de 2012

Atlântida

Olhava para o rosto de um homem que se ajoelhara a seu lado e sabia que, em todos aqueles anos, era isto que teria dado sua vida para ver: um rosto sem sinal de dor, nem medo nem culpa. Na forma de sua boca havia orgulho, e mais: era como se ele se orgulhasse de ser orgulhoso. As linhas angulosas de suas faces a faziam pensar em arrogância, tensão, zombaria. No entanto, o rosto não exprimia nada disso, apenas o produto final desses fatores: um olhar de determinação serena e de certeza, de uma inocência implacável, que jamais pediria nem concederia perdão. Era um rosto que nada tinha a esconder, que não fugia de nada, que não tinha medo de ver nem de ser visto, do modo que a primeira coisa que ela compreendeu a seu respeito foi a perceptividade intensa de seus olhos. Era como se a sua faculdade de visão fosse seu instrumento mais amado, e a prática da visão fosse para ele uma aventura exultante, ilimitada, como se seus olhos concedessem um valor superlativo a si próprio e ao mundo - a si próprio por sua capacidade de ver, e ao mundo por ser ele um lugar tão bom de se ver. Ele a fitava com um leve esboço de sorriso, não com um olhar de quem descobre algo, e sim de quem contempla algo conhecido - como se ele também estivesse vendo algo que esperava havia muito e que jamais pusera em dúvida.

Era este o seu mundo, pensou Dagny, era assim que os homens deveriam ser e encarar suas existências.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Leonoreta, VI

Leonoreta,
fin'roseta,
deixo meus olhos fechados
sobre os acontecimentos.
 
Não te meta
en gran coita o meu amor:
 
podem, por todos os lados,
duros, tenebrosos ventos
quebrar muitas tentativas.
 
Mas, para que eterna vivas,
que é preciso?
Que pensem meus pensamentos.
 
E entre pólos inviolados,
entre equívocos momentos,
vem e volta a vida humana,
que se engana e desengana
em redor do Paraíso.
 
Branca sobre toda flor,
a Verônica levanto,
num transparente estandarte:
celebro por toda parte
a alegria de adorar-te
com o meu pranto.


Cecília Meireles